2006-11-15

É consequentemente um ponto interessante (o de saber que tipo de planta produz o rizoma (bolbo)); e ao qual eu tive esperança (legítima) de que tu interrogasses esse pormenor. Afinal, o bolbo terá de ter uma planta – é verdade; no entanto, não associo essa planta apenas e necessariamente à divulgação, isso seria redutor e incoerente em relação à perspectiva que eu tentei clarificar.

A planta seria necessariamente o melhoramento do Humano nas suas dimensões morais, práticas e gnosiológicas. Isto é, quem compreender verdadeiramente a Filosofia terá, necessariamente, de ser obrigado a corresponder a essa compreensão. Como defendia Sócrates, nos diálogos de Platão: não é possível saber o que é o bem e não praticá-lo.

Perguntarás: “então, mas essa visão é extremamente utópica; o ser humano nunca conseguirá exercer a total compreensão da Filosofia, e, mesmo que conseguisse, não conseguiria, por várias vicissitudes, corresponder a essa compreensão; como é que então a Filosofia se propõe a ajudar o Humano a conseguir esse objectivo?” É meu entendimento que, é um dever moral de quem trata com esta disciplina mais de perto, de ajudar a retirar os seres humanos das cavernas onde se encontram. No entanto, não alieno o facto de que quase todos os seres humanos, têm a capacidade, quanto mais não seja pelo menos biologicamente, de saírem da caverna sozinhos. Como terminologicamente diria Aristóteles, quase todos têm a potência para passar ao acto. Se assim é, porque é que isso não acontece?

Não acontece porque vivemos neste momento um enquadramento conceptual dualista, teoria/prática, onde a prática tem um relevo muito maior. Esta visão dualista separa ontologicamente a teoria da prática e a prática da teoria, onde nenhuma influencia a outra. É neste sentido, que as pessoas vêm com desconfiança e desprezo a teoria, porque partem do princípio de que ela não influencia a vida prática; no entanto a prática pode mudar a teoria, ou – mais correctamente – existir e desenvolver-se sem teoria.

Mas nós percebemos, e entendemos, o quanto a teoria dita a prática, e entendemos como é que a teoria influencia, mesmo que as pessoas não tenham noção disso, a sua vida e por consequência, a vida da comunidade local e global. É aqui que entra a nossa obrigação de guiar e de tentar desocultar o que está oculto. Para isso precisamos de explanar aquilo que, tanto filósofos anteriores pensaram, tal como aquilo que investigamos. Uma das vertentes dessa explanação é – e como dizes – a divulgação, mas ao contrário, nem todo o tipo de divulgação é bom. Uma das maneiras mais usuais, e de eleição, de divulgação para um filósofo é a escrita, sem dúvida. E sou da opinião de que «um filósofo que escreva uma obra é também um escritor, logo deve ser bom escritor». E por isso acho que tem de saber escrever bem. No entanto, este escrever bem, pouco tem a haver – ou pelo menos não dá primazia – ao problema da estética ou da retórica (como efeito de persuasão).

É verdade que um filósofo, como escritor (e mesmo como pessoa), possui um estilo, e por estilo vou aproveitar uma definição que me parece interessante (embora possa ter falhas) de Zimmermann: «No estilo manifesta-se a identidade que está fundada sobre a unidade e coerência entre ser e a aparência». Através desta definição, percebemos que todos têm um estilo, mas se este estilo não harmonizar o que algo é e aquilo que aparenta ser, então será apenas aparência, id est, frugalidade. Ora, para um filósofo, que faça filosofia no sentido de iluminar (ver Kant e Aufklärung) o que está oculto, ele tem de ter um estilo iluminante. E o que acontece, quando se tenta adjudicar a arte à maneira como escrevem os filósofos, estaremos a centrar o facto, não numa iluminação do conteúdo, mas sim numa “floreação”, desvirtuamento, confusão e enaltecimento da aparência estética, em vez do conteúdo. No meu entender, escrever filosofia não é escrever uma obra literária, embora uma obra literária possa ter (e contém necessariamente) conceitos filosóficos.

Em resposta à tua pergunta: «Será que para se ser bom filósofo tem que se escrever bem?». Respondo: «Claro que sim!»; Tem de saber expor de forma iluminada, clara e coadunante ao conteúdo e a quem ele quer comunicar, o que pretende. Para isso tem de saber gramática, retórica, lógica e argumentação. Todavia, não deve tornar aquilo que escreve numa obra de arte, porque não é disso que se trata quando se quer explicar (divulgar) algo.

P.S.: Terás de esclarecer, também, tanto a mim como para os leitores deste blog, aquilo que pretendes dizer com a palavra “azado”, em relação ao meu estilo.

2006-10-03

Faço as minhas palavras iniciais vincar a ideia de diálogo construtor, não no sentido de fixar pensamento (todavia estimulá-lo), mas de fixar palavras que possam servir na nossa investigação informal como também resultar num sentido orientador – para nós, enquanto estudantes de Filosofia –, como para outros interessados.
Sinto-me, por isso, agradado por teres começado este diálogo pela questão directamente subjacente à área onde nos encontramos. A pergunta “O que é a Filosofia?” é de facto uma das maiores encruzilhadas não só dos próprios filósofos, mas também das pessoas “comuns” (seja o que for que “comum” queira dizer). Quem é que já não ouviu por exemplo (1) “A minha filosofia de vida é x ou y”, ou (2) “A filosofia da empresa caracteriza-se por x”, ou (3) “ A minha filosofia de treino é voltada para o ataque” (muito à la Mourinho), ou, ainda, (4) “Isso são filosofias!”.
Isto realmente é um problema de linguagem. O que queremos dizer quando utilizamos a palavra “filosofia” é de facto algo difuso e provoca usos que são diferentes àquele que provavelmente poderemos, tu e eu, discutir aqui. Esta identificação de “filosofia” com (olhando para os exemplos acima) (1) uma doutrina moral, (2) conceitos, (3) intenções ou (4) um conjunto de ideias vagas, vulgos: castelos nas nuvens, que não têm qualquer aplicação prática, demonstra aquilo que não é filosofia, embora esta lide com alguns desses elementos, nomeadamente as doutrinas, ideias, conceitos, entre outros.
Pergunta-se então: o que é a filosofia? O que é que implica filosofar? Ora, o meu argumento – já incluído numa das nossas conversas anteriores –, era o de comparar a filosofia a um rizoma, onde a filosofia seria o bolbo central e as suas raízes fontes de conhecimento. É preciso não confundir esta minha noção de rizoma com a teoria do rizoma de Deleuze. O que pretendo defender nesta noção é uma visão em que a filosofia, o bolbo central, é alimentada pelos nutrientes absorvidos pelas raízes – fontes de saber – e, através do que era absorvido, teria a obrigação de escolher, organizar, reflectir, antecipar, criticar o saber de modo a surgirem bons Humanos.
Como deves ter reparado, faço uma série de distinções nesta analogia, entre as quais, distinções gnosiologicas e morais, mas não falo de métodos, objectivos e de fundamentos, que poderemos abordar na altura apropriada. O que esta analogia pretende não é de modo algum estancar uma resposta do que é a Filosofia, quanto mais a fixá-la nesta noção; esta ideia apenas tenta representar a noção etimológica de philo-sophia, essa paixão pelo saber – na qual me identifico.